
Uma cinebiografia que aborda a história de uma mulher, cientista, primeira na história a vencer o Prêmio Nobel (ganharia o segundo, anos depois), no final do século 19, tem tudo para ser incrível. Correto?
Há controvérsias. O filme britânico “Radioactive”, disponível no Netflix, possui pontos positivos, claro, mas é vítima de algumas escolhas infelizes que comprometem um pouco o resultado.
A película retrata a fascinante história da cientista polonesa Marie Skłodowska – posteriormente Curie, ao casar com o também cientista Pierre – e, ao seu lado, dilatar os achados de Henri Becquerel, que havia recém-descoberto a radioatividade (termo cunhado por ela), mudando o curso da física e da química desde então.
O trio recebeu o Nobel de Física em 1903 pelos estudos sobre a radiação e, em um feito inédito até hoje, Marie foi agraciada, sozinha, com o Nobel de Química, em 1911, por descobrir dois novos elementos (rádio e polônio). Para se ter uma ideia do brilhantismo desta mulher, na história da ciência apenas mais uma pessoa atingiu feito similar – Linus Pauling. Porém, Pauling recebeu um Nobel da Paz e outro por seus feitos científicos.
Então que “Radioactive” mostrou alguns aspectos desta figura sensacional mas exagerou nas tintas dramáticas, tanto nos embates de Marie com os seus pares masculinos na Academia quanto em suas decisões pessoais. A montagem do filme também deixou a desejar, visto que as idas e vindas na linha do tempo não agregaram informação real sobre a história de Marie. Cenas como o bombardeio à Hiroshima ou o acidente de Chernobil, inseridas aleatoriamente ao longo da história, tentam atribuir um peso extra – e negativo – ao legado da cientista.
Afinal, todos sabemos que foram a partir de suas descobertas que o uso maléfico – diria até maligno – da radioatividade surgiu. Porém, a bomba atômica e a energia nuclear oriundas de seus achados nada mais são que escolhas humanas. Não há neutralidade na tecnologia. Fato… Porém, as tentativas do filme em mostrar isso soaram artificiais e tiraram o ritmo da narrativa.
Isto posto, a obra tem seus méritos. A começar pela escolha da atriz que viveu Curie: a britânica Rosamund Pike está excelente no papel. A caracterização também é correta, bem como a trilha sonora. Outro aspecto de nota é o fato do filme mostrar o papel fundamental que ela teve durante a primeira guerra, ao exigir do governo francês a utilização de raios X portáteis para evitar a amputação desnecessária de membros dos soldados feridos.
Os efeitos nefastos da radiação – até então desconhecidos – também são mostrados no enredo, bem como toda a xenofobia e ofensas que ela sofreu por isso. Por fim, estes efeitos também viriam a causar sua morte, através de uma anemia aplástica, por consequência da manipulação constante e desprotegida de material radioativo.
Enfim, uma biografia ímpar em uma cineobiografia não tão à altura. Ainda assim, merece ser vista, pois entrete e propaga a história de uma mulher incrível, tanto para época quanto para os dias atuais.
Maravilhosa é pouca. Recomendo.